A morte de um filho é geralmente descrita como um dos acontecimentos mais dolorosos da vida de alguém. O sofrimento vivido pelos pais, independentemente da idade do seu filho morto, é dilacerante. Se comparado à dor sentida pela morte de uma outra pessoa da família, é extraordinariamente intenso.
A morte de um filho, pequeno ou crescido, torna-se, assim, em quase todas as culturas, a mais absurda das mortes, aquela a que alguns chamam mesmo de «a morte antinatural», ou «a que fica para além de toda a ordem natural da vida».
A vinculação afetiva dos pais aos filhos é geralmente intensa, em parte porque os filhos são vistos como a continuidade dos pais, a sua projeção no futuro, como que marcos vivos da sua passagem pela vida. Por isso, o processo de luto é complexo, por vezes com o desenvolvimento de manifestações menos comuns.
O acontecimento da perda de um filho pode, pois, arruinar o equilíbrio emocional e oferece o grande risco do desenvolvimento de patologias do foro psiquiátrico. A morte de um filho na infância, mais que qualquer morte, tem sido descrita como uma espécie de «extração violenta de parte do Ser», como que um «arrancar um pedaço» vital da sua identidade pessoal. Não será por acaso que é também o processo de luto que, de uma forma geral, é o mais prolongado no tempo, independentemente da estrutura de personalidade daquele que o sofre. Mesmo evoluindo linearmente, dentro das fases do Ciclo do Luto, algumas manifestações dolorosas, como a tristeza, a culpa, a ansiedade e o medo podem permanecer para toda a vida. Apesar de se revelarem em graus mais ou menos elevados, e de se tornarem cada vez menos frequentes, estas manifestações persistem, nunca chegando a desaparecer totalmente.
Para um pai ou uma mãe, a morte de um filho sofre-se com a mesma intensidade seja em que idade acontecer – seja um recém-nascido, um bebé, uma criança, um adolescente, um adulto, ou mesmo um idoso. Os relatos de pais que perderam filhos em diferentes idades assemelham-se. Isto acontece em relação a filhos únicos ou a filhos que pertenciam a uma fratria mais ou menos extensa.
Para a família, a morte da criança ganha outra significância, por todo o investimento (afetivo, familiar e social) feito nela – do quanto foi, pelos país, desejada, cuidada, admirada, enfim amada, nos poucos anos em que viveu. A perda da criança desorbita as vidas dos seus pais, desestabiliza a sua idealização de felicidade, de realização humana. O planeamento que para esse fim tinham concebido, e para o qual canalizavam a grande maioria das suas energias, entra em rutura.
Com efeito, muitos casais não suportam o desabamento sofrido nesta perda, acabando por separar-se, como se a perda permanecesse entre eles, cerceando qualquer plano de futuro que juntos viessem a construir. Dissolvida a união conjugal, pela separação ou pelo divórcio, tentarão desesperadamente dissolver o poder da sua dor, como se, não estando juntos, também ela pudesse ser «separada, reduzida a pedaços».
De resto, cada um, o pai e a mãe, vive de modo individual o processo de luto, dependente, num e noutro, das suas personalidades. Difícil se tornará gerir dois processos de luto, diferentes, simultaneamente paralelos e tão semelhantes, já que se iniciaram pela morte do mesmo ente amado.
Há, assim, uma séria influência dos papéis tradicionais de género. O pai é geralmente mais inibido nas expressões da sua dor e recebe, em muitos casos, a dura missão de apoiar a mãe – como se ele não sofresse tanto como ela, como se um homem, simplesmente por ser homem, tivesse nascido forte, imperturbável e impávido. Esta ideia resulta de antigas conceções culturais, derivadas de sociedades patriarcais, onde os homens eram vistos como o «sexo forte» e as mulheres o «sexo fraco», esperando-se, por causa desta mítica fraqueza, que estas recebam, de imediato, a proteção, o amparo, a contenção dos seus maridos ou companheiros, os «fortes».
Um pai pode sofrer tanto como uma mãe, não sendo, sequer, possível medir a sua dor para a comparar com a dor desta, nem sendo também correto exigir de um pai que perdeu o seu filho que deixe de parte o seu processo de luto para atender, em exclusividade, ao processo de luto da mãe.
No entanto, a família, a entidade patronal, a sociedade em geral, tendem a não perdoar a fraqueza de um pai que manifesta não ser capaz de apoiar a mãe, renunciando, assim, a corresponder às expectativas que, à sua volta, se formaram, segundo critérios tradicionais quanto aos papéis de género. Isto explica porque voltam os pais mais rapidamente à sua vida quotidiana, ao emprego, etc., que as mães, a quem parece ser mais desculpável a incapacidade e o bloqueio, permanecendo em casa mais tempo.
Na verdade, a crença na fortaleza inata dos homens acaba por sacrificar um pai que tenta desenvolver um processo de luto saudável, já que lhe é negada a mesma oportunidade que é dada à mãe. Isto reflete-se, entre outros aspetos, na contenção emocional que ele próprio acaba por ter, pois, sendo homem, até na morte de um filho não pode ter manifestações emocionais consideradas exageradas para um homem, sendo aceitáveis, ou mesmo típicas, numa mulher (por exemplo, chorar muito alto, gritar, abraçar alguém, desmaiar, etc.). Ao ser olhado como uma espécie de «Guardião da Família», ou de autoridade chamada «Pai de Família», ou «Chefe de Família» (numa conceção cultural tradicional) não é fácil admitir que vacile, que não se imponha com serenidade e calma, que não estenda a sua sombra protetora sobre os outros membros da sua família, a começar pela sua mulher ou companheira. Também é por esta razão que mais facilmente um pai se sente culpado da morte de um filho (por exemplo, por um homicídio), já que «falhou» na sua missão de protetor, tendo iniciado esse falhanço primeiro como homem e, depois, como pai.
Por outro lado, muitos pais, para demonstrar segurança às suas mulheres ou companheiras, e aos filhos vivos que têm (os irmãos do filho que morreu), bem como ao resto da família e amigos, remetem-se a um silêncio quase permanente, negando a si próprios a necessidade de expressar a sua dor, quer verbalizando-a, quer chorando, quer pedindo ajuda a alguém, enfim, reconhecendo que têm o direito de sofrer abertamente a perda de um filho. Esta atitude radica também em conceções culturais antigas quanto aos papéis de género.
Com muita frequência, as suas mulheres ou companheiras queixam-se da sua ausência emocional, do seu silêncio, em suma, da sua falta de apoio. As críticas que alguns pais recebem durante o próprio processo de luto, dentro da sua própria família, são mais um aspeto negativo a dificultar o desenvolvimento do processo de forma saudável. Acabam, muito frequentemente, por ser uma desilusão para toda família, convertendo-se, assim, num elemento cada vez mais à margem.
Já as mães que perderam um filho, não só recebem uma maior atenção e dedicação por parte da sua família, da entidade patronal, da sociedade em geral, como também ocupam, nas perceções destes, o lugar central de uma família em luto. Isto advém de conceções culturais de origem muito remota, segundo as quais as mães possuem uma especial ligação aos filhos, como que um «cordão umbilical imaterial», ligação mítica que foi abruptamente cortada. Crê-se que as mães sentirão mais a morte de um filho que os pais.
O que diferencia as mães dos pais num processo de luto, pelo menos em termos sociais, é justamente a expressão de sentimentos e emoções, que nas mães é mais livre e nos pais tende a ser mais contida, ou mesmo a ser suprimida.
Algumas mães exteriorizam tanto a sua dor, a sua raiva, a sua angústia que algumas pessoas, em especial as da família e os amigos, chegam a pensar que «rapidamente chegarão à loucura». Esta ideia leva-as à tentativa de controlar as suas reações, providenciando medicação (nem sempre adequada) para inibir a violência das suas expressões. Esta violência assusta-as e julgam que poderá, de algum modo, «fazer mal» à própria mãe. É uma realidade especialmente presente em casos de homicídio de crianças.
Com a perda da criança pode perder-se o polo central de todo um complexo campo de divergências entre o casal, que, no quotidiano, encontravam no filho um eixo de motivação, ou de constante reconciliação. Outrora insignificantes, pequenas coisas quotidianas podem agora assumir gigantes proporções, a par de toda a agressividade própria de um processo de luto.
Agredir quem é mais íntimo e mais próximo é, de resto, algo muito generalizado. É comum – e, afinal, tão humano – dirigir toda a raiva acumulada para quem se ama, pessoa que, à partida, sustentará tal ímpeto sem ter uma reação negativa a médio ou longo prazo. Afinal conhece e ama também, compreendendo certamente e perdoando depressa. Num casal em processo de luto acontece que, no entanto, a outra parte está igualmente fragilizada – pela mesma razão, pela mesma perda do filho de ambos. E vive a mesma necessidade de expandir a sua raiva, dirigida, claro está, ao outro, o companheiro/a companheira, ou o marido/a mulher. É, então, frequente que as acusações mútuas se sucedam e a vida conjugal se degrade ainda mais.
Compassivamente, cientes da dor que ambos sentem, o pai e mãe de uma criança morta podem transformar a sua história e dar-lhe uma continuidade cheia de esperança e de futuro, auxiliando-se, mútuos, no processo de luto de cada um. São afinal, processos muito similares e dizem respeito à perda do mesmo ente amado. É comum desenvolverem ambos estratégias de sobrevivência conjunta, de modo a enfrentarem como casal, juntos, toda a adversidade que lhes advém na vida quotidiana. Essa é, aliás, uma necessidade para a qual despertam rapidamente se têm outros filhos, aos quais é preciso dar toda a atenção. Também eles vivem processos de luto muito penosos pela perda do seu irmão/da sua irmã, pelo que devem ser auxiliados.
Se não têm outros filhos, e podem ainda perspetivar o nascimento de uma outra criança, é frequente que um casal deseje recomeçar toda uma planificação para que tal desejo se concretize. Geralmente conscientes de que essa segunda criança jamais poderá substituir a que antes lhes morreu – criança que foi única e irrepetível –, saberão também que um novo filho poderá congregar tudo o que de positivo outrora existia na família e que, em parte considerável, sobreviveu à perda.
Diferente é a situação dos pais separados ou divorciados à data da morte da criança. Durante a Fase da Crise, geralmente mantêm-se próximos, sendo comum haver manifestações de grande empatia entre ambos, como que «um reencontro» na perda do filho comum. Alguns chegam mesmo a tentar estabelecer uma nova relação conjugal, como se esta pudesse recuperar os vínculos afetivos com o filho perdido. Mais comum, no entanto, é haver entre ambos momentos de conflituosidade e agressividade, que dependerão, em parte, da história da sua relação conjugal passada e com a sua relação presente. A atribuição de culpa da morte da criança ao que tinha sobre ela tutela direta é, por muitas vezes, violenta. Também é muito comum a responsabilização recíproca daquela perda – mais comum que nos pais que estavam juntos, ou casados. O afrontamento pode originar, quer num, quer noutro, danos psicológicos irreparáveis, complicando os seus processos de luto.
Os filhos são insubstituíveis. Os pais que perdem os seus filhos sentem que outro jamais poderá ocupar o seu lugar. Daí que reajam negativamente a algumas tentativas de conforto emocional de algumas pessoas (familiares, amigos ou conhecidos), que lhes referem a existência dos seus outros filhos como uma razão viva para não permanecerem tristes, pois «Tendes outras crianças»; ou «Pior seria se vos tivesse morrido um filho único, pelo menos tendes mais filhos». A dor daquela perda nunca poderá ser colmatada pela existência dos irmãos ou irmãs que continuam vivos.
Outros comentários podem ser verdadeiramente cruéis, pois, além de insinuarem certa desvalorização da sua perda, apresentam alguma pressão, no sentido de rapidamente substituírem a memória da criança perdida por uma nova criança (por exemplo, «Deixa lá, tens de engravidar depressa para esqueceres tudo isto. Quando tiveres outro bebé, vai ser mais fácil.»). Em alguns casos, o casal sabe ou receia que tal seja impossível, por causa da sua idade ou da sua saúde reprodutiva.
Única, irrepetível, aquela criança nunca deixará de ocupar o seu espaço afetivo na memória dos seus pais. Mas, de facto, quando os pais têm outros filhos, estes necessitam, mais que nunca, da sua presença e apoio. Também eles vivem os seus processos de luto pela perda do seu irmão ou irmã. A morte de uma criança obriga a um reajustamento dos papéis e a uma reorganização da família. O abalo é profundo e os lugares ocupados por cada um nas relações acabam por ser alterados. Uma «arrumação relacional» deverá começar, por exigência própria dos papéis assumidos anteriormente, pelos próprios pais. Os seus filhos, sobretudo se ainda forem pequenos ou adolescentes, esperam deles essa «arrumação». Mais adiante, serão referidas as dificuldades específicas de uma criança em processo de luto, diferentes do processo de um adulto.
As crianças que perdem um irmão ou irmã pedem aos seus pais o amor suficiente e a força que desperta sentimentos de segurança e proteção, num período tão dramático das suas vidas. Apesar disto, são, em muitos casos, os elementos da família que menores cuidados recebem, sobretudo quando são muito pequenos. Os adultos, ocupados e absorvidos nos seus próprios processos de luto, tendem a descurar o sofrimento emocional dos mais pequenos. A perda de uma criança origina muitas vezes uma atitude geral de negligência por parte dos pais em relação às restantes crianças. Em muitas famílias, é um familiar, ou mesmo um empregado da família, que trata das crianças e lhes explica – e nem sempre adequadamente – o que está a acontecer na sua própria família.
Quando os irmãos da criança falecida são pequenos, os pais, em muitos casos, julgam-nos incapazes de compreender e de lidar com a notícia da morte e com a perda. Fantasiam que se lhes pode ocultar eternamente a realidade, chegando a inventar histórias de substituição, que contam aos seus filhos sempre que eles perguntam pelo seu/sua irmão/irmã (por exemplo, que «Foi fazer uma viagem», que «Foi para uma escola muito longe», etc.). Estas histórias, para além de serem perniciosas por não corresponderem à verdade, podem potenciar a ansiedade das crianças, já que o/a irmão/irmã não mais voltará.
Em relação aos outros filhos, os pais podem também assumir uma atitude de constante vigilância. O pavor de sofrer uma nova perda, com a morte de um segundo filho, pode levá-los a uma proteção tão estreita que podem tornar-se asfixiadores da própria liberdade e do saudável desenvolvimento das crianças. Isto pode comprometer a vida social destes, sobretudo ao chegar a adolescência.
Outro aspeto a salientar é o fenómeno complicado que se dá quando os pais tentam «substituir o insubstituível». Com efeito, alguns pais enveredam por uma doentia busca do filho perdido, procurando imediatamente uma criança que possa ocupar o lugar afetivo que ele deixou vazio. Alguns tentam uma nova gravidez, de modo a que uma criança lhes encha de alegria o lugar de uma tristeza que não suportam mais. Em certos casos, a criança que nasce chega a receber o mesmo nome próprio e apelidos que a criança falecida, vestindo as suas roupas e usando os seus objetos pessoais. Isto pode gerar alguns problemas de identidade da nova criança, que em tudo tentava assemelhar-se à criança falecida para agradar aos seus pais e assegurar o seu afeto. Assim, a criança viva não se sentirá amada por si mesma, mas por ser semelhante, ou fazer lembrar, outra criança.
Alguns pais, impossibilitados de terem mais filhos naturais, procuram ter um filho adotivo para substituir a que morreu. Depressa, no entanto, e se a sua candidatura à adoção for adequadamente enquadrada pelos profissionais e pelas instituições, esta intenção é descoberta e são dissuadidos, ou impedidos de adotar. A adoção de um filho, a acontecer no futuro, deverá suceder quando este puder ser acolhido como pessoa única, pessoa singular, e até extremamente diferente daquela outra criança falecida. Ou seja, depois de concluído, saudavelmente, o seu processo de luto.
Noutros casos, os pais tentam esta substituição com um dos filhos que já tinham quando perderam aquela criança. Trata-se de um comportamento de negação da perda. Armam uma espécie de «cenário do impossível», querendo fazer regressar simbolicamente o seu filho perdido. Podem começar por vestir a mesma roupa, ou roupas de estilo semelhante, a um irmão, ou irmã, do filho perdido; e fazer-lhe o mesmo penteado ou corte de cabelo. Mais alienador que isto, poderão obrigá-lo a um reforço psicológico constante das qualidades, ou características particulares, que tinha a criança morta, valorizando comportamentos e atitudes semelhantes às daquela. Este filho vivo tornar-se-á a imagem do filho morto, destituído da sua própria identidade e representando um papel que não é o dele: o luto passa a ser um Luto Patológico, pois começam a manifestar-se desvios obsessivos de fixação da imagem do filho morto.
Se, de uma forma geral, a morte de uma criança é sempre um acontecimento abrupto e violento para os seus pais, mais o será quando se trata de uma morte por homicídio. Culturalmente, as crianças são consideradas «os mais inocentes entre os inocentes»."

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